UM AMOR PARA TODA A VIDA - Conto (macroconto)

 

     

      Em uma cidade do estado de Goiás, duas famílias, uma goiana e outra gaúcha viviam muito próximo, eram muito amigas e seus filhos cresciam juntos. A goiana era formada pelo casal e seus quatro filhos, uma menina e três meninos; Clarissa era a mais velha.
        A gaúcha era constituída por Johen, o chefe da família, Gusthara, sua mulher e seus três filhos: José Augusto, o mais velho, Gustavo, o do meio e Ana Aurora, a caçula. José Augusto ou Zezinho, como era carinhosamente chamado por todos, tinha 10 anos quando sua família chegou ao centro oeste e de imediato se apegou à Clarissa que acabara de completar seus oito anos; era linda a amizade deles e a inocência daquela relação deixava os pais de ambos completamente sossegados; pois embora se tratassem de um menino e uma menina, eram duas crianças totalmente puras.
        O tempo foi passando, as crianças foram crescendo, Zezinho e Clarissa se tornaram adolescentes e descobriram que o que os unia era mais que uma amizade de infância; seus pais foram percebendo que já não se tratava mais de uma simples amizade entre duas crianças, mas de um amor nascido na inocente fase da infância.
        Para os pais de Zezinho, era uma grande satisfação; eles deixavam isso explícito, porém os pais de Clarissa não deixavam claro o que achavam daquele clima de namoro. De repente foi se aproximando da família de Clarissa um rapaz por nome Március, o qual não disfarçava seu encanto pela bela menina, ela, aos seus dezesseis anos, só pensava em estudar e desfrutar da companhia de Zezinho. Porém seus pais, ao perceberem o interesse do rapaz pela filha discutiam a possibilidade de casá-la com o moço, doze anos mais velho e de família abastada, viam nele a garantia de um futuro melhor para a filha e de uma possível melhora de vida para eles mesmos, já que eram totalmente desprovidos de posses.
     O rapaz já bem vivido e esperto, ao observar a relação de Clarissa com Zezinho, preferiu se aproximar mais de seus pais do que dela; procurando sempre agrada-los. Um certo dia, mesmo sem ter qualquer tipo de relacionamento com a adolescente, sem a presença dela, a pediu aos pais em namoro e também em casamento; Clarissa já se encontrava adormecida e no dia seguinte, ao chegar do colégio, foi instigada pela mãe a falar sobre o que achava de Március; após expor o que achava dele, sua mãe lhe comunicou que ela se casaria com ele; espantada, Clarissa argumentou com a mãe que apenas o achava muito legal, generoso com a família, mas que não sentia nada por ele; não o conhecia bem, pouco haviam conversado até então, contudo sua mãe disse que só se conhece uma pessoa convivendo com ela e que assim também é que ela ia aprender a gostar dele; a garota ainda tentou convencer sua mãe de que nunca ia conseguir amá-lo, pois desde ainda muito menina amava Zezinho; a mãe por sua vez, de maneira ríspida afirmou que aquilo era apenas uma ideia romântica dela, que não ia garantir o seu futuro e que ela podia esquecer o namorinho de criança, porque já estava decidido, ela ia se casar com o moço!
      Quando o pai chegou do trabalho, Clarissa tentou convencê-lo com os mesmos argumentos, esse disse que já havia dado a sua palavra a Március, concedendo a ele sua mão, que não era homem de voltar atrás, que ele e sua mãe haviam decidido o que era melhor para ela; a menina não conseguia acreditar naquilo, foi para o seu quarto e de lá saiu somente no outro dia para ir ao colégio; ao voltar para casa, ficou reclusa até o começo da noite, quando saiu para se encontrar com Zezinho e lhe contar o ocorrido; os dois se abraçaram e choraram; ao voltar para casa, lá estava Március, que para seu desespero já se comportava como seu noivo; foram os piores momentos de sua vida; após ele ir embora novamente ela tentou convencer seus pais do quanto estava triste, infeliz, mas eles não quiseram saber, até porque tinham recebido mais agrados do futuro genro! 
       Nos dias seguintes, sempre ao findar da tarde, Clarissa e Zezinho se encontravam; juntos sofriam e choravam muito, sem saber o que fazer, ela ao lamentar mais uma vez a falta que lhe faziam os seus falecidos avós maternos, naquele momento principalmente e em particular a sua avó, disse – o pior é saber que eles se foram para sempre e para sempre é muito tempo – nesse momento ela mesmo com os olhos cheios de lágrimas sorriu e disse que aquilo parecia parte de letra de música e começou a cantarolar: 
                                          

Para sempre é muito tempo; 
nunca mais, tempo demais;
até breve ou até logo,
até mais tarde, tudo tanto faz!
Se os olhos brilham 
ou lacrimejam 
uma coisa ou outra, 
quase que nos dá a mesma impressão,
mesmo sem voz, em total silêncio,
eles nos transmitem qualquer emoção!

Refrão:
 
Para que chorar?
Se há um dia para vir após o outro;
para que se despedir?... 
Se todos os que vão um dia hemos de encontrar...
se a tristeza e a alegria
moram em um mesmo lugar...
dentro do peito,
onde se aloja o ódio, mas também o amor;
de onde sai o perdão,
e infelizmente palavras de rancor!
Mas para que chorar?

                                               

      De repente os dois, mesmo ainda tristes, sofrendo, riam que já não era possível saber se os seus olhos estavam molhados de chorarem ou de tanto rirem; achavam até engraçado o fato de naquele momento de tanta confusão emocional, surgir aquela música e que falava exatamente sobre tudo o que eles estavam vivendo, sentindo. Zezinho então disse: essa vai ser a nossa música; vamos cantá-la sempre que nos encontrarmos!
       Porém, eles só tiveram mais três encontros; no último deles, Clarissa foi só para dizer adeus e como nos outros dois, eles cantaram sua música aos prantos; contudo, o último encontro foi o mais sofrido e ele não terminou com um até breve ou com um simples tchau, mas com um até nunca mais, regado a muitas lágrimas! 
      Clarissa havia sido comunicada da data de seu casamento e seus pais proibiram-na de se encontrar com Zezinho; uma semana depois ela e a família viajaram para a fazenda dos pais de Március, onde se casariam e de lá ela se foi para nunca mais voltar. Március, como se quisesse afastá-la de tudo e todos que até então haviam feito parte de sua vida, a levou embora para uma propriedade de sua família no estado do Pará.
      Seu marido não a deixava vir a Goiás; ele custeava as idas da família dela até eles duas, três vezes no ano; numa dessas visitas, sua mãe lhe contou que Zezinho e a família haviam voltado para o Rio Grande do Sul. Três anos haviam se passado, mas Clarissa sentiu a mesma dor da despedida do seu último encontro com Zezinho e chorou; sua mãe demonstrando a insensibilidade de sempre, disse: tudo já passou... sua vida agora é outra!
      Clarissa dedicou toda sua vida ao marido e aos três filhos que tiveram e voltou a Goiás duas vezes, apenas para enterrar seus pais. Após a morte de Március, seus dois filhos e sua filha, médicos, formados em São Paulo, decidiram juntamente com ela que o melhor era vender tudo no Pará e se mudarem todos para a Grande São Paulo, assim fizeram e com o passar do tempo, já velha, Clarissa não tinha mais saúde e necessitava de muitos cuidados; foi aí que seus filhos decidiram colocá-la em um abrigo para idosos de famílias abastadas. E mais uma vez, decidiram por ela a sua vida.
     No abrigo, com os sintomas do Mal de Alzheimer se agravando, sua memória se estacionava no passado, nas coisas passadas, principalmente nas relacionadas a Zezinho; ele por sua vez, também viúvo havia se mudado com a sua única filha e seu neto para uma das cidades do ABC Paulista; após sua filha e seu neto resolverem ir trabalhar no exterior, eles também decidiram colocá-lo em um abrigo e Zezinho foi parar exatamente no mesmo local em que se encontrava Clarissa.
      Uma semana após chegar ao abrigo; Zezinho padecia de solidão, acostumado a viver em família, se sentia muito só e deslocado; Clarissa não deixava de padecer dos mesmos males, porém resiliente, ela já aceitava aquela sua nova realidade e fazia das lembranças do passado suas companhias cotidianas. E aquela música, daquele momento triste, era a sua mais fiel companheira; ela já havia se esquecido de muita coisa, mas aquela música era como alimento para a sua existência e costumeiramente ela a cantava a meia voz.
     Em um dos seus dias mais melancólicos; depois de refletir muito sobre toda a sua vida, sofrendo com tantas recordações, com as lágrimas escorrendo pela sua face a ao mesmo tempo esboçando um sorriso enigmático começou a cantar...



      Zezinho, que se encontrava próximo, ficou atônito ao ouvir a música, aquela música que somente ele e Clarissa conheciam; pois não só havia sido tema do momento mais marcante de suas vidas, como também era uma composição dela. E por alguns instantes ele permaneceu inerte; até que mesmo incrédulo, foi em direção a ela; ao se aproximar, disse – Clarissinha – ela levantou os olhos lentamente, com a fisionomia de quem parecia não acreditar no que estava vendo; todavia, ela estava certa de que aquele, agora um senhorzinho, era o Zezinho da sua adolescência, o seu Zezinho, a única pessoa em toda sua vida a chamá-la assim; ele, certo de que aquela também senhorinha era a sua Clarissa; sentou-se no assento que se encontrava frente a ela, tocou-lhe a face e apoiando suas mãos no seu rosto, enxugava-lhes as lágrimas com os polegares trémulos pela intensidade da emoção e pelas consequências do início do Mal de Parkinson; enquanto deslizava com uma certa dificuldade e com muita ternura os seus dedos sob os olhos de Clarissa, também aos prantos, consolava-a dizendo – não precisamos chorar mais; olhe, estamos aqui e sem ninguém, sem ninguém para nos separar outra vez, agora somos só nos dois, até o resto das nossas vidas – Clarissa com a voz embargada exprimiu – é muito tarde – Zezinho não se hesitou em contradizê-la e afirmou – não, não é tarde não!
      E passaram a ser inseparáveis; ficavam juntinhos o dia inteiro, apartando-se um do outro somente na hora de se recolherem, isso por volta da vinte horas. Todos os dias bem cedo; Zezinho esperava Clarissa à porta de seu quarto e a conduzia à mesa do café da manhã, onde a assistia o tempo todo, era assim em todas as refeições, nos momentos de lazer, em praticamente tudo e ela também era muitíssimo dedicada a ele, à medida do possível, pois ambos tinham as suas limitações!
     Por três anos viveram assim e estes foram tão felizes quanto os daquela boa faze da adolescência. Mas, em um determinado dia; como de costume Zezinho se pôs ao lado da porta do quarto de Clarissa, onde ficou a esperá-la; com a demora dela em abrir a porta e ele inquietado com aquilo, chamou um dos muitos funcionários do abrigo, este ao adentrar o aposento viu que Clarissa ainda permanecia em seu leito; ao tentar acordá-la, ela não reagiu e permaneceu imóvel; então acionou a equipe médica, que constatou que Clarissa estava morta!
     Ao se deparar com a equipe médica; diante do suspense que todos naquele instante faziam, Zezinho não teve dúvida: a sua Clarissa havia ido embora mais uma vez, mas desta vez, para sempre!   


OBS.: Essa música é uma das minhas composições. E esse é o cantarolar de Clarissa, apenas emprestei a minha voz à personagem ( risos ).

Comentários

Unknown disse…
Que voz linda....parabens...arrasou...
Que bom que você gostou da minha voz! Muito obrigada pelo elogio!
Confesso que cheguei a me hesitar se colocaria a minha voz ou não.
Selma disse…
Que lindo!
Sua voz é a letra também são lindas!
Parabéns❤
Antes, quero lhe pedir desculpas; pois só hoje descobri o seu comentário, ele não estava aparecendo onde deveria aparecer, me desculpe amiga!

Muito obrigada! Que bom que você gostou! Confesso que me hesitei bastante, mas acabei cedendo ao desejo de inovar nesse conto e então cedi a minha voz à personagem ♥♥♥

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