VIDA FERIDA - Conto

 



Seu Euclício era um senhor de sessenta e oito anos que depois de uma vida de muitos anos repletos de felicidades e outros vários marcados por infortúnios, acabou sozinho na casa em que viveu os seus mais belos e também os mais tristes momentos de sua vida!

Ele havia perdido sua filha mais velha, Euclícia, vítima de uma doença grave; sua esposa Cleira, o seu amor de toda uma vida; vítima de um mal súbito; sua segunda filha, Euclíria, em um acidente e seu filho Cleir, militar, vivia em missões pelo mundo. Assim, seu Euclício acabou só, naquela casa enorme e melancólica!

Havia alguns anos que ele vivia solitário naquele casarão; para passar o tempo, dedicava-se às tarefas domésticas. Já velho, cansado e deprimido pelo vazio de tantas perdas, decidiu contratar uma senhora para lhe ajudar nos afazeres da casa e também lhe fazer companhia, lhe acompanhar às consultas e aos tratamentos médicos!

Então, depois de um certo tempo procurando a dedos uma pessoa com quem se simpatizasse, encontrou Mare, uma simpática e jovem senhora de trinta e nove anos; seu Euclício gostou tanto de Mare que em pouco tempo de conversa a contratou. Ficou acertado que ela receberia um excelente salário para ser uma espécie de empregada doméstica e ao mesmo tempo cuidadora, sua cuidadora; como o valor oferecido era muito bom, ela aceitou.

Mare era solteira, ela também morava sozinha e de aluguel; então seu Euclício propôs que ela morasse no trabalho, ou seja, em sua casa; afinal seria conveniente para ambos; pois ela vivia só, na cidade grande, longe de familiares e parentes e ele amargava uma vida de solidão… em uma casa muito grande e muito vazia, vazia de pessoas, das pessoas mais importantes de sua vida e cheia de tudo o que elas deixaram; cheia de lembranças delas!...

Mare levava uma vida difícil; de pouco ganho, para muitos compromissos e a proposta de seu Euclício veio a calhar! Então ela se mudou para a casa dele e ali passou a morar, trabalhar e a cuidar daquele solitário e sofrido senhor!

A vida melhorou muito para Mare; para seu Euclício… ela voltou a ter um certo sentido; pois já não se sentia tão sozinho!... Os dois eram mais do que patrão e empregada; pareciam ser velhos e bons amigos; ele a tratava como alguém da família e ela, além de cuidar da casa, zelava dele com muito carinho!

Ela se apegou muitíssimo a seu Euclício; as pessoas que o conheciam se admiravam de tantos cuidados!... Além do excessivo zelo, ela nutria por ele, algo a mais sim… uma espécie de amor platônico! Os cuidados, associados a esse sentimento oculto, faziam com que ela se preocupasse demasiadamente com seu Euclício e uma de suas preocupações, era o comportamento dele em relação aos pertences de seus entes falecidos.

Além de cuidar excessivamente de tudo o que pertencia a eles e ao seu único filho vivo, mas que estava sempre distante; ele mantinha uma relação de dependência emocional com tudo o que lembrava sua família e isso incomodava, preocupava bastante a Mare; ela achava que isso o deprimia ainda mais e não gostava de vê-lo sofrer!

Em uma conversa com seu Euclício; ela se surpreendeu; ao falar para ele que o respeitava muito e também a sua dor, porém ela se incomodava com o fato de ele fazer questão de não se poupar; procurando incessantemente ver, pegar, estar em contato com coisas que o impediam de se distrair, de se desligar de tamanho sofrimento; ele então disse a ela o seguinte – Mare; alguns dizem que não; mas a gente se acostuma com a dor!... A gente só não se conforma, com as perdas!


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